Esta parece ser uma afirmação sempre presente em muitos movimentos sociais que reivindicam a importância de dar voz a todas as diversidades, recusando discursos paternalistas e condescendentes. Tenho-me batido pela visibilidade de minorias discriminadas e pela intervenção social e política que sustenta a possibilidade de vivermos como iguais entre iguais.
No entanto, nos últimos anos tenho encontrado alguns discursos e algumas realidades que me fazem questionar a defesa inquestionável de que a voz de cada um/a deve ser sempre conjugada na primeira pessoa. Concretamente no contexto da luta pelos direitos LGBTI+, onde tenho desenvolvido a minha ação social e política, existem com frequência discursos que reclamam a necessidade e urgência de se fazerem ouvir as vozes de todas as diversidades, em que só as/os próprios têm legitimidade de falar por e sobre si.
Questionam-se categorias, reclama-se o não binarismo de género, defende-se a fluidez das várias dimensões das identidades, para logo de seguida se exigir com a mesma convicção a necessidade de se dar voz a todas as possíveis conjugações de interseções identitárias, porque essas têm de ter visibilidade, corpo e substância. À partida tudo isto é passível de ser articulado, o problema surge quando se reclama a necessidade absoluta de a voz de cada possível conjugação de interseções identitárias só poder ser feita na primeira pessoa. Dos/as trans falam os/as trans, dos/as bis falam as/s bis, dos/as não binários/as só podem falar eles/as próprios/as, etc …
Como é possível esta dissonância discursiva?
As dimensões das identidades não são fluídas? Então cada ‘voz’ pode ficar imediatamente sem validade perante o decorrer do tempo, pois todos os espaços e tempos das nossas vidas são parte integrante de quem somos, e quem eu sou agora que escrevo, poderá não ser exatamente quem vai colocar o ponto final neste texto.
As categorias não são conceitos construídos socialmente que refletem relações de poder e diferentes formas de pertença? Posso afirmar ser trans para assumir na primeira pessoa uma postura de visibilidade, mas como é que uma única realidade pode ser a voz de todas/os? Uma pessoa trans que assuma uma postura de visibilidade e assuma discursivamente e nas suas práticas uma determinada ‘voz’ é necessariamente mais representativa de outras pessoas trans? Uma lésbica fala melhor por todas as lésbicas do que outra pessoa? Então sempre existem categorias que podem ser generalizadas?
Por exemplo, no meu caso pessoal, tenho muitas vezes sentido que sou melhor representada por mulheres e homens que se auto identificam como heterossexuais mas que nas suas práticas assumem uma postura feminista e de defesa da igualdade entre todas e todos, do que por mulheres que se assumem como lésbicas mas que não têm uma visão de intervenção social e política.
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